Com vitória histórica do Brasil, Oscar tenta se reposicionar no mundo

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Pode até parecer suave demais no contexto cada vez mais extremista do mundo, mas sua vitória faz todo sentido já que, entre os indicados ao Oscar de Melhor Filme, "Anora" é mesmo a tragédia americana mais fácil de aceitar

Com premiação inédita para o brasileiro “Ainda Estou Aqui”, 97ª edição do Oscar protege frescor do cinema americano enquanto abre pequenas brechas para o mundo – mas eles veem o quê?

Até o fim daqueles dramáticos dois segundos em que Penélope Cruz abre o envelope e lê o nome do vencedor, ninguém tinha plena certeza de que o Brasil realmente venceria seu primeiro Oscar de Melhor Filme Internacional, apesar de toda torcida e esperança. De repente, aconteceu, de um jeito tão brasileiro que merecia até uma indicação de Melhor Roteiro Original.

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Exatamente seis meses depois que Fernanda Torres pisou no tapete vermelho do 81º Festival de Veneza para apresentar sua Eunice Paiva ao mundo, dezenas de outras Fernandas desfilavam fantasiadas pelas ruas, calçadas, quadras, praias e praças de todo o Brasil em pleno Carnaval, a maior festa popular do Ocidente – em Pernambuco, virou até Boneca de Olinda. Antes da cerimônia de entrega dos Oscars, neste último domingo, jornalistas estrangeiros se mostravam impressionados com aquele cenário explosivo.

“Eles bebem cerveja, seguram Oscars de plástico e fazem discursos improvisados de agradecimento. [...] É um sentimento de orgulho nacional mais comumente reservado apenas à seleção de futebol”, escreveu Jack Nicas no The New York Times. Mesmo que o impacto técnico, narrativo, emocional e principalmente político de “Ainda Estou Aqui” tenha comovido público e crítica do Brasil e de diferentes países, o drama de Walter Salles foi assombrado até o final por um rival espinhoso: “Emilia Perez”, de Jacques Audiard.

Superando a larga vantagem de 13 indicações do musical francês neste ano, incluindo Filme, Direção, Atriz e Roteiro, o Brasil venceu aquele que precisava para reescrever sua história tão arisca com a indústria agressiva dos EUA no mercado brasileiro. Apesar de não ter vencido as cobiçadas estatuetas de Melhor Filme ou Melhor Atriz, garantiu uma resposta volumosa: para a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, o “Melhor Filme Internacional” do ano foi um drama sobre a crueldade silenciosa de um regime ditatorial que ainda sobrevive nas sombras da política do Brasil – e do mundo.

Visto de fora, sem considerar a culpa da própria equipe de “Emilia Pérez” que despencou do favoritismo em poucos dias de forma irreversível, a resposta ainda parece ter uma força própria. A audiência americana, afinal, confirmava isso a cada nova semana porque o drama se tornou uma sensação popular, conseguindo a maior estreia de um filme brasileiro nos EUA e alcançando, no dia do Oscar, a marca de US$5 milhões de arrecadação.

Nesta semana pós-Oscar, dados do Box Office Mojo projetam que ele poderá se tornar a segunda maior bilheteria brasileira no país quando ultraar os US$5,9 milhões de “Central do Brasil”, filme também de Walter Salles, que concorreu ao Oscar em 1999 e perdeu. Há 27 anos, nenhuma outra produção brasileira tinha recebido tanta atenção por lá, até a vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro no começo de 2025 virar o tabuleiro do jogo e nos fazer chegar até aqui.

O Brasil, porém, não foi o único pedaço do mundo que Hollywood aceitou ouvir. Consagrando uma vitória surpreendente, o letão “Flow”, de Gints Zilbalodis, venceu a estatueta de Melhor Filme de Animação concorrendo com DreamWorks, Disney, Pixar e até Netflix. Nessa categoria, os votantes vêm parecendo mais abertos a considerar autores internacionais – nos últimos anos, premiaram “Pinóquio” do mexicano Guillermo Del Toro, e “O Menino e a Garça”, do mestre japonês Hayao Miyazaki.

Desde que estreou em Cannes, “Flow” chamou atenção por ter sido feito inteiramente em programa gratuito e com equipe mínima. Como uma aventura sensorial para adultos e crianças, sem qualquer palavra falada, narra a jornada de um gato num planeta abandonado pelos seres humanos. Assim como “Ainda Estou Aqui” no Brasil, a animação causou grande reação de orgulho nacional após vencer o Globo de Ouro na mesma noite que Fernanda.

O prêmio dourado virou ponto turístico no Museu Nacional de Arte da Letônia, onde está exposto sob uma redoma de vidro. Ainda em janeiro, tornou-se o filme mais assistido na história da Letônia, pequeno país do Leste Europeu na fronteira com a Rússia. A prefeitura da capital Riga apoiou a construção de uma estátua do animal e a pôs em destaque próximo ao Monumento da Liberdade, cartão-postal da cidade.

No site oficial de turismo, agora você encontra uma página dedicada ao gato com a seguinte descrição: “Não apenas uma estrela global, mas também um orgulho de Riga”. Ao caminhar pelas ruas você poderá encontrar desenhos grafitados do gato, do mesmo jeito que Fernanda Torres foi parar nas paredes de Porto Alegre, do Rio Grande do Sul, e de Juazeiro do Norte, no Ceará. No palco do Oscar neste domingo, o diretor disse: “Espero que vocês abram portas para cineastas de animação independentes ao redor do mundo. Estamos todos no mesmo barco e precisamos encontrar maneiras de superar nossas diferenças”.

Saindo dessa esfera celebrativa, a 97ª edição do Oscar premiou também filmes sobre conflitos nos quais a presença bélica americana é antiga. Dirigido pelos palestinos Basel Adra, Rachel Szor e Hamdan Ballal, e pelo israelense Yuval Abraham, “Sem Chão” se a em um vilarejo no sul da Cisjordânia, área que vem sendo ocupada por militares israelenses que operam de forma insistente, por décadas, a expulsão de todos os seus moradores. Venceu o Oscar de Melhor Documentário, concorrendo contra filmes da Ucrânia, Japão, Bélgica e Canadá.

Ao receberem a estatueta, um tom de cooperação soou até ousada numa cerimônia bem menos politizada contra Donald Trump do que se poderia imaginar. “Há um caminho diferente, uma solução política sem supremacia étnica, com direitos nacionais para ambos os nossos povos”, disse Abraham, acusando o presidente americano de “estar ajudando a bloquear esse caminho”.

Trump também foi citado no discurso de Hossein Molayemi e Shirin Sohani, diretores iranianos do curta de animação vencedor “In the Shadow of the Cypress”. Além de reafirmaram a repressão pública que encontram como cineastas no Irã, apontam que a situação das sanções “ficou mais complicadas desde o tempo do presidente Trump no cargo”.

Mas no fim desse mundo em constante ameaça, lá está a América. Não a dolorosa e cruel de “O Brutalista”, filme sobre um imigrante húngaro nos EUA que até mês ado parecia favorito, mas a América “divertida” de “Anora”, comédia dramática sobre uma dançarina solitária que foi a história mais celebrada da cerimônia.

Além de Melhor Filme, venceu Direção, Roteiro Original, Montagem e Atriz. Nas histórias de Sean Baker, porém, esse “sonho americano” não a de um delírio a ser encarado até a sua corrosão. Pode até parecer suave demais no contexto cada vez mais extremista do mundo, mas sua vitória faz todo sentido já que, entre os indicados ao Oscar de Melhor Filme, “Anora” é mesmo a tragédia americana mais fácil de aceitar.

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