Morto pela ditadura há 53 anos, Bergson Gurjão Farias é diplomado simbolicamente pela UFC
Em cerimônia histórica, UFC concedeu diploma póstumo a Bergson Gurjão Farias, estudante morto pela ditadura em 1972
Em uma cerimônia na tarde desta sexta-feira, 16, a Universidade Federal do Ceará (UFC) concedeu o diploma póstumo de graduação a Bergson Gurjão Farias, morto pela repressão da ditadura militar em 1972. A solenidade, realizada na Reitoria da instituição, reuniu familiares, ex-companheiros de militância, professores, estudantes e representantes de movimentos sociais, consolidando um ato de reparação histórica e reafirmação dos valores democráticos.
Bergson era estudante de química na UFC quando ingressou na luta contra a ditadura. Integrante da Guerrilha do Araguaia, ele foi assassinado aos 25 anos pelo regime militar e teve seu corpo devolvido à família apenas em 2001, após anos de desaparecimento. Seu velório, à época, foi realizado na Concha Acústica da UFC — local que, décadas depois, virou palco de nova homenagem simbólica por sua memória.
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Em entrevista ao O POVO, o reitor Custódio Almeida destacou o ineditismo do ato: “A UFC está fazendo, pela primeira vez, uma colação de grau póstuma simbólica. É um gesto para devolver os direitos que lhe foram negados. Uma reparação histórica”. Segundo ele, a homenagem não é apenas a Bergson, mas para todos os estudantes vítimas da repressão que foram impedidos de concluir seus estudos.
Em seu discurso, o reitor contextualizou a decisão como parte dos eventos de comemoração dos 70 anos da universidade. O momento, segundo ele, é uma resposta a um cenário político recente que reacendeu memórias autoritárias. "Estamos fazendo isso para conservar e manter viva a memória, para nunca mais deixar acontecer", afirmou.
A irmã de Bergson, Ielnia Farias Johnson, hoje com 79 anos, recebeu o diploma em nome da família. Emocionada, falou sobre a mistura de sentimentos: “Estou feliz e, ao mesmo tempo, triste. Eu preferia que ele estivesse aqui. Isso é importantíssimo para as famílias das vítimas da ditadura”. Ielnia também destacou o despertar da juventude atual para a história: “E não tem ninguém mais idealista do que os jovens”.
Entre os presentes, a ex-prefeita de Fortaleza e militante histórica Maria Luiza Fontenele. Ela relembrou sua atuação em defesa da anistia e o trabalho junto às famílias dos desaparecidos no Araguaia. “Sempre que resgatamos a militância fundamental na nossa história, como a de Bergson, reafirmamos a luta por uma sociedade mais justa e verdadeiramente emancipada”, afirmou.
O estudante de geografia William Matheus, de 22 anos, integrante do movimento Juventude Pátria Livre falou sobre o evento. Para ele, “esse momento é simbólico, em memória, mas mirando o presente e o futuro que queremos. Não se vive o presente sem entender o que nos atravessou na história”.
O pró-reitor de Graduação, professor Davi Romero, classificou a cerimônia como um reencontro da universidade com os direitos humanos. “É um evento que simboliza o que perdemos durante a ditadura. Um ato de resistência.”
O recuo da universidade
Apesar da decisão, a UFC ainda lida com imes em torno da preservação da memória de Bergson. Em 2023, o Conselho Universitário havia aprovado a nomeação da Concha Acústica com o nome do estudante, em alusão ao local onde o corpo dele foi velado. Contudo, após pressões internas e externas, a instituição recuou da decisão.
No lugar disso, a Reitoria inaugurou espaço cultural com o nome do estudante. Ao ser questionado se haveria possibilidade de retomar a proposta original, o reitor respondeu que não há planos.
A decisão de não nomear a Concha Acústica foi criticada por parte da comunidade acadêmica. Para o estudante William Matheus, a universidade deveria rever o recuo. “É um erro. Isso acaba sendo uma homenagem importante, mas que parece aquém de tudo que deveria ser”, avaliou.